Foram demitidos da Globo nesta segunda-feira (29) os jornalistas Renato Machado e Francisco José, dois dos mais experientes nomes do jornalismo brasileiro.
Os dois estavam atuando majoritariamente no Globo Repórter nos últimos tempos e ambos tinham mais de 40 anos de trabalhos prestados à emissora.
Segundo informações, as demissões são consequência da política de renovação de quadros adotada pela Globo na sua ala jornalística. Esse novo comportamento adotado pelos executivos da emissora carioca tem provocado muitas demissões que até chocam o público e a própria equipe interna da Globo.
A reação dos colegas de trabalho
A notícia da demissão dos dois grandes jornalistas pegou muita gente de surpresa e também chocou gente de dentro e de fora da Globo.
Na Globo Nordeste em especial, onde Francisco José é considerado uma lenda viva do jornalismo, todos ficaram abismados com a sua demissão, apesar de ela ser esperada.
Renato Machado e Francisco José não foram os únicos nem os primeiros
Com essa nova diretriz, a Globo tem mandado embora muitos nomes grandes do jornalismo da casa que cativaram o público por décadas.
Antes de Machado e José nomes como Ari Peixoto, Alberto Gaspar, José Hamilton Ribeiro, Eduardo Faustini e Linhares Júnior já haviam sido mandados embora pela emissora.
Recentemente, na última sexta (26), Isabela Assumpção, que atuava com Renato Machado e Francisco José no Globo Repórter e tinha longos 41 anos de Globo, também havia sido demitida.
A justificativa
Segundo informações apuradas internamente pela equipe do portal Notícias da TV, além da renovação no quadro de pessoal, os cortes têm como objetivo enxugar a folha de pagamento, uma vez que jornalistas veteranos recebem altos salários.
Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, enviou e-mails para se despedir dos dois colegas. Além disso, o executivo rasgou elogios a Renato e a Francisco e disse que ambos ainda têm trabalhos inéditos a serem exibidos.
A trajetória de Renato Machado
Na Globo desde 1982, Renato Machado, de 78 anos, havia trabalhado no Jornal do Brasil, um programa já extinto, por 14 anos.
Ao ser contratado pela emissora carioca, Renato teve como principal trabalho de iniciação, por assim dizer, a cobertura da Guerra das Malvinas, conflito entre Reino Unido e Argentina ocorrido entre abril e junho de 1982.
No ano seguinte o jornalista foi enviado como correspondente para o Reino Unido, onde passou a reportar fatos importantes a partir da base da Globo em Londres.
Renato passou 12 anos na Inglaterra e nesse período fez a cobertura de fatos históricos importantes como o acidente nuclear de Chernobyl e os atentados terroristas ocorridos em Paris, ambos acontecimentos ocorridos em 1986.
Em 1995 Renato Machado voltou ao Brasil para comandar o Bom Dia Brasil, um programa jornalístico matinal da Globo.
Nas suas mãos o programa cresceu na audiência e ganhou uma nova cara. Renato permaneceu no Bom Dia Brasil até 2010, quando saiu para voltar a Londres.
Em 2016 o jornalista veterano voltou ao Brasil e começou a produzir reportagens para o Globo Repórter até ser demitido neste dia 29 de novembro de 2021.
A carreira do grande Francisco José
Francisco José, uma lenda viva do jornalismo nordestino, tem 77 anos de idade e deles, 46 dedicados à Globo.
Em 1975, quando chegou à emissora carioca, José era um dos poucos integrantes dos quadros da empresa de uma forma geral a permanecer com o sotaque nordestino.
Com o passar do tempo, o jornalista ganhou cada vez mais credibilidade, respeito e admiração de colegas de profissão e espectadores.
Dentre os maiores trabalhos de Francisco José estão as coberturas de eventos como a Guerra das Malvinas (1982), quatro Copas do Mundo (1978, 1982, 1986 e 1994) e um assalto a banco que aconteceu em 1987 no Recife.
Na ocasião, um dos criminosos que participava do assalto fez uma mulher grávida de refém. Francisco José, em um ato de heroísmo que ilustra bem o seu caráter, se ofereceu para ficar no lugar da refém.
Mergulhador nato, Francisco sempre trabalhou no Globo Repórter, fazendo reportagens sobre a natureza e as belezas do Brasil. O seu rosto e voz inconfundíveis são “a cara” desse tipo de reportagem.
A despedida
Cartas de despedida, enviadas por e-mail, foram endereçadas aos dois jornalistas e assinadas por colegas e profissionais que trabalharam com eles. Veja!
Íntegra da carta enviada a Renato Machado:
“A primeira vez que conheci Renato Machado pessoalmente foi em Brasília, na cobertura do impeachment de Collor, eu pelo Globo e ele pela TV. Estávamos na casa de Eliane Cantanhêde com outros tantos jornalistas – e Renato encantando a todos com suas histórias bem humoradas.
Quando cheguei à Globo em 2001, ele já era apresentador e editor-chefe do Bom Dia Brasil, programa cujo novo formato ele ajudou a criar, em 1996, com mais conversa, mais análise. Sucesso imediato, passou a pautar as redações sobre o que vinha pela frente. Tivemos, nesse período, um contato estreito –especialmente durante as coberturas eleitorais, quando preparávamos as entrevistas que seriam feitas com os candidatos. Atento, atencioso, certeiro.
Renato tem uma experiência invejável no jornalismo: BBC de Londres por dois anos, Jornal do Brasil por 14, e, na Globo, desde 1982 (com apenas um ano de afastamento, quando trabalhou para a TV Manchete). Aqui, foi repórter especial, correspondente em Londres por dois longos períodos e editor-chefe e apresentador do Bom Dia Brasil por 15 anos. Cobriu de tudo: guerras, atentados terroristas, revoluções, tragédias, escândalos políticos, acontecimentos culturais, entrevistas com grandes personalidades internacionais.
Poucos alcançaram tamanho êxito. Entre as coberturas marcantes da qual participou, eu destaco aquela do acidente nuclear de Chernobyl, em 1986. O stand up que fez, à beira de uma lagoa em Upsala, mostrou a qualidade do seu texto e a capacidade de explicar fenômenos complexos. Eu cito de memória, e peço desculpas pela inexatidão. Mas era algo assim: “A radioatividade fica presa nas águas paradas do lago, contaminando tudo, inclusive esse chão onde piso. E é exatamente por isso que devo sair daqui logo”. Virou-se de costas e partiu. Algumas palavras, um gesto, e o público entendeu a dimensão da tragédia.
Renato está há cinco anos no Globo Repórter. E não me surpreende que, logo o primeiro programa dele tenha sido indicado ao Emmy, na categoria “Atualidade”. Emprestou certamente ao programa sua experiência com o jornalismo internacional, que começou já na sua estreia na BBC em 1967. Mas também o traqueio no manejo de temas nacionais, culturais e de comportamento. A câmera gosta dele e o público mais ainda.
A maneira cordata que deixa transparecer no vídeo é a mesma com que trata colegas e amigos. Um profissional ímpar, um colega gentil e um amigo querido.
Também ele, como Zé Hamilton Ribeiro e Chico José, de quem já falei, combinou comigo a sua saída. Foi tão logo voltou de Londres. Um planejamento de longo prazo e por etapas. Segundo nosso acerto, sairia em 2020, mas adiamos para o fim desse ano por conta da pandemia.
Renato deixa um legado de bom jornalismo. É um exemplo do profissional de excelência. Em meu nome, em nome da Globo e de seus colegas, muito obrigado.”
Íntegra da carta enviada a Francisco José:
“Chico José, cearense de Crato, começou a trabalhar como jornalista em 1966 no Jornal do Commercio do Recife, antes mesmo de a profissão ser regulamentada, como ele gosta de frisar. Pelo jornal, Chico cobriu duas Copas do Mundo e chamou atenção de Armando Nogueira, que o convidou para ser repórter e apresentador do Globo Esporte. O programa começaria a ser exibido na capital pernambucana. Depois de estrear em frente às câmeras, em 1975, achou que a TV não era para ele.
Chico estava enganado.
Há 46 anos, vem fazendo uma carreira brilhante na Globo. Ao longo de sua trajetória, pelo Esporte, Chico participou de quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas. No Jornalismo, coleciona histórias inesquecíveis: foi o primeiro repórter do Nordeste a aparecer no JN, mergulhou ao vivo na Baía de Guanabara durante a Rio-92 (um feito inédito e antológico), cobriu a Guerra das Malvinas (quando chegou a ser expulso pelos militares), acompanhou dezenas de apresentações do Galo da Madrugada, mostrou ao Brasil a importância das festas de São João, acompanhou o Papa João Paulo II na Coreia, revelou ao país as primeiras imagens do naufrágio do Bateau Mouche, e alcançou a impressionante marca de 103 edições do Globo Repórter… Sim, não é erro de digitação: são 103 programas com reportagens dele, um feito. Esses são apenas alguns dos muitos momentos em que Chico deixou sua marca.
Aliás, foi no Globo Repórter que ele mostrou seu lado aventureiro. Pulou de bungee jump, mergulhou com tubarões, seguiu onças na Amazônia, mostrou a vida selvagem na África do Sul e os tesouros do Caribe, encarou elefantes marinhos na Patagônia e muito mais. Foi ao Polo Norte e ao Polo Sul. Em 2013, Chico foi finalista do Emmy com um Globo Repórter sobre a rotina e os rituais dos índios Enawenê-Nawê, na Amazônia.
Mas nada representa mais Chico José do que sua identificação com o Nordeste. É um apaixonado. Durante 10 anos, fez coberturas da seca e da miséria que assolavam o sertão nordestino. Em 2008, percorreu seis capitais para mostrar, ao vivo, o São João no Jornal Nacional. Por 15 anos, ao lado de Beatriz Castro, apresentou e fez reportagens no programa local de meio ambiente Nordeste Viver e Preservar.
Recebeu vários prêmios, inúmeras homenagens e títulos – entre eles o de Cidadão Pernambucano. Convidado para ser correspondente internacional, nunca quis. Costuma dizer que não troca o Nordeste por nenhum outro lugar do mundo. Mas tem no currículo reportagens feitas em todos os continentes. Tem um jeito único de fazer reportagem: envolvente, cativante, leva o espectador para onde ele está. Com palavras precisas, com cenas que marcam.
Eu o conheci pessoalmente ao chegar à Globo, numa visita que fiz ao Recife. Depois dos afazeres na redação, aceitei o convite dele para almoçar. Andando pelas ruas, pude comprovar o quanto é querido, tratado como família pelos pernambucanos, carinho puro, que ele retribui. Uma conversa com ele nunca é curta e é sempre prazerosa. Num de nossos encontros mais recentes, tínhamos uma agenda breve, mas quando nos despedimos já havia se passado uma hora. Conversamos sobre a profissão, o fazer jornalístico, a vida. Chico é um baú de boas histórias e um observador agudo. Jo Mazarollo me disse dele: “Adora contar histórias. As histórias das reportagens e as histórias que surgem enquanto está fazendo as reportagens”. É verdade.
Há três anos, começamos a conversar mais detidamente sobre este movimento que se conclui hoje. Primeiramente, deixou o dia a dia para se dedicar aos projetos que tinha no Globo Repórter. Para a nossa alegria e satisfação do público, fez o que planejou. Em outubro, partiu para o Atol das Rocas, período mais propício para realizar a reportagem há muito sonhada. O resultado, como sempre, superou todas as melhores expectativas. Ao dar o ponto final no texto, ao pronunciar as últimas palavras do programa, encerrou com chave de ouro esses 46 anos de Globo. O resultado vai ao ar em 25 de março do ano que vem. Como planejado.
Eu agradeço ao Chico José, cearense do Crato, cidadão de Pernambuco, jornalista do Brasil, por todo o legado que nos deixa e por tudo o que fez pelo nosso jornalismo. Em meu nome, no nome da Globo e no de seus colegas”.